A pesquisa recente da Defensoria Pública da União (DPU), em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, revela os riscos associados às tecnologias de reconhecimento facial no Brasil. Muitas vezes, essas tecnologias são utilizadas sem o conhecimento dos cidadãos e apresentam preocupações sérias sobre privacidade e violações de direitos.
O relatório intitulado “Mapeando a Vigilância Biométrica”, divulgado recentemente, destaca como o Brasil emergiu como um terreno fértil para a vigilância digital desde eventos como a Copa do Mundo de 2014. As tecnologias de reconhecimento facial cresceram rapidamente, prometendo auxílio na identificação de criminosos e na localização de desaparecidos.
Crescimento das Tecnologias de Reconhecimento Facial
Atualmente, há pelo menos 376 projetos de reconhecimento facial em andamento no Brasil, com potencial para vigiar cerca de 83 milhões de pessoas, o que representa cerca de 40% da população. Até agora, esses projetos movimentaram aproximadamente R$ 160 milhões em investimentos públicos.
Os pesquisadores alertam que, apesar do crescimento significativo, as soluções regulatórias estão atrasadas. O Brasil ainda carece de legislação eficaz que regule a implementação de sistemas de vigilância digital, especialmente as câmeras de reconhecimento facial.
Consequências e Erros nas Implementações
Entre 2019 e abril de 2025, foram registrados 24 casos de falhas em sistemas de reconhecimento facial. Um dos casos mais notórios envolveu João Antônio Trindade Bastos, que foi erroneamente identificado como um fugitivo e revistado de forma desrespeitosa. O incidente gerou discussões sobre a eficácia e a ética das tecnologias de reconhecimento facial, especialmente em função de classificações raciais.
Estudos indicam que as taxas de erro dos sistemas de reconhecimento facial são desproporcionalmente maiores entre grupos raciais minoritários. Dados internacionais apontam que a imprecisão desses sistemas em identificar corretamente pessoas negras, indígenas e asiáticas é até 100 vezes maior em comparação com indivíduos brancos.
Desafios Legais e Normativos
Em dezembro de 2024, o Senado brasileiro aprovou o Projeto de Lei n.º 2338/2023, que propõe a regulamentação do uso de inteligência artificial e sistemas biométricos na segurança pública. No entanto, o texto possui tantas exceções que pode permitir o emprego irrestrito dessas tecnologias em várias situações.
A proposta em andamento precisa ser discutida e aprovada pela Câmara dos Deputados para entrar em vigor. O potencial de abuso e a falta de controle eficaz no uso de tecnologias de vigilância geram preocupações sobre um estado de vigilância excessiva.
Recomendações para um Futuro Seguro
Os pesquisadores concluem que é necessário um debate público abrangente sobre o assunto, com a participação da sociedade civil e de especialistas. Eles recomendam a criação de uma legislação específica para regulamentar a tecnologia de reconhecimento facial, além de auditorias regulares e transparência nas operações.
Sugestões também incluem a obrigatoriedade de autorização judicial antes do uso de dados obtidos por meio dessas tecnologias e um controle mais rigoroso sobre as empresas privadas que operam sistemas de reconhecimento facial.
A discussão sobre o uso ético e seguro dessas tecnologias se torna cada vez mais urgente, especialmente em um cenário onde as questões raciais e de privacidade não podem ser ignoradas. As recomendações visam garantir que os sistemas de vigilância operem dentro de um marco legal que respeite os direitos fundamentais e a dignidade do cidadão.