ACONTECENDO NO ESPÍRITO SANTO

segunda-feira, 14 de julho de 2025

ACONTECENDO NO ESPÍRITO SANTO

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Cerco às universidades dos EUA gera preocupação entre pesquisadores brasileiros

Estudantes e pesquisadores brasileiros que estão nos Estados Unidos ou que pretendem desenvolver pesquisas em universidades no país, especialmente nas áreas de humanidades, enfrentam um cenário de incertezas no governo de Donald Trump. Quem já está no país relata um sentimento de insegurança. Aqueles que desejam ir cogitam adiar os planos ou buscar outras alternativas.

Desde que assumiu, o presidente norte-americano tem atacado as universidades, anunciado cortes e criticado principalmente pesquisas voltadas para temas sociais. O país abriga instituições de renome mundial como Harvard, Stanford e Columbia, e as consequências dessas medidas afetam pesquisadores de todo o mundo, incluindo os brasileiros.

A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, orientou os pesquisadores que desejam ir aos EUA a elaborarem um plano B. Segundo a Capes, pelo menos 96 pesquisadores brasileiros desistiram de participar de doutorados nos Estados Unidos este ano.

A Agência Brasil conversou sobre a situação atual com quatro pesquisadores brasileiros cujos estudos são focados nos EUA.

Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Marco Aurélio - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Marco Aurélio/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Marco Aurélio - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Marco Aurélio/Arquivo Pessoal
Marco Aurélio Sousa Alves, professor de filosofia na UFSJ Marco Aurélio/Arquivo Pessoal

Medo de falar português

O professor de filosofia da Universidade São João del-Rei (UFSJ), Marco Aurélio Sousa Alves, está nos Estados Unidos com uma bolsa de pós-doutorado na Rutgers University, em Nova Jersey. Esta não é sua primeira experiência no país, onde cursou o doutorado e morou por sete anos até 2014. Agora, mais de dez anos depois, ele observa um país muito diferente.

“Os americanos, em geral, se sentem atacados pelo governo. As universidades estão sendo atacadas e seus orçamentos cortados”, diz.

O pesquisador afirma que o estrangeiro se torna mais vulnerável, pois, além do ataque às universidades, há os ataques aos imigrantes. Nesse cenário, ele se sente inseguro até mesmo de falar português na rua.

“Tenho um receio que eu não tinha antes, de ser um estrangeiro falando uma língua latina nesse país. A sensação é de que eles querem mandar esse povo embora. Virou uma caça às bruxas.”

Dentro da universidade, no entanto, ele destaca o tratamento acolhedor recebido dos colegas e da administração, com esforços para garantir o bem-estar dos visitantes. “Eles mandam e-mails sistemáticos tentando tirar dúvidas e deixar todos mais confortáveis”.

A bolsa de Marco Aurélio é válida por um ano, até o final de 2025. Ele pretende concluir o trabalho. “Não estou aqui à toa. A verdade é que na minha área — filosofia da mente e filosofia da consciência — os Estados Unidos têm os melhores pesquisadores e a produção de maior qualidade no mundo.”

Programa suspenso

Victor Angelucci, mestrando em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), planejava concorrer a uma bolsa para um doutorado nos Estados Unidos no próximo ano. Inspirado pelo professor Marco Aurélio, ele buscou informações sobre o Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do governo dos EUA, representado pela Fullbright Brasil, que, até o ano passado, concedia bolsas para doutorado pleno na área de pesquisa. No entanto, em maio, ele recebeu uma comunicação informando sobre a suspensão das bolsas: “Não teremos mais editais para doutorado pleno. Recomendamos que entre em contato com a EducationUSA. Eles podem te direcionar para outras instituições que tenham programa na sua área de interesse”.

A resposta foi frustrante, pois, segundo Victor, esse era o caminho mais viável e seguro para estudar nos Estados Unidos. O programa facilitava a conexão entre as universidades dos dois países, enquanto a adesão a outros programas de seleção exigiria concorrência com estudantes de todo o mundo.

“Os Estados Unidos são líderes em filosofia mundial. É uma área em destaque, onde estão os grandes especialistas e as publicações mais relevantes. Portanto, a extinção dessa bolsa representa uma perda significativa para o Brasil”, opina.

Luiz Loureiro, diretor executivo da Fullbright Brasil, explicou que mudanças nas ofertas de bolsas são comuns e resultam da evolução do ambiente acadêmico. Ele não mencionou diretrizes específicas do governo americano, mas destacou a escolha de investir no doutorado sanduíche, que permite ao estudante desenvolver parte da pesquisa em outro país.

“A diminuição contínua no número de candidatos qualificados para o doutorado pleno e o aumento constante de candidatos para bolsas de doutorado sanduíche motivaram a suspensão do primeiro e a duplicação das ofertas no doutorado sanduíche”, afirmou.

Manifestantes se reúnem em um protesto organizado pedindo à liderança de Harvard que resista à interferência do governo federal na universidade em Cambridge, Massachusetts, EUA
12/04/2025
REUTERS/Nicholas Pfosi
Manifestantes se reúnem em um protesto organizado pedindo à liderança de Harvard que resista à interferência do governo federal na universidade em Cambridge, Massachusetts, EUA
12/04/2025
REUTERS/Nicholas Pfosi
Manifestantes se reúnem em um protesto organizado pedindo à liderança de Harvard que resista à interferência do governo federal na universidade Nicholas Pfosi

Bolsa negada

Augusto Jobim, professor de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, teve sua ida aos Estados Unidos como professor visitante cancelada no início deste ano. Ele pesquisa a ascensão da extrema direita e os fenômenos do fascismo no Brasil.

Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Augusto - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Augusto/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Augusto - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Augusto/Arquivo Pessoal
Professor de direito da PUC-RS Augusto Jobim Augusto/Arquivo Pessoal

Em dezembro de 2024, ele recebeu um e-mail do Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América, representado pela Fullbright Brasil, parabenizando-o pela pré-aprovação no Prêmio Fullbright, que concedia uma estadia de três meses como professor em uma universidade americana. Apesar da pré-aprovação, o e-mail dizia que não haveria mais análise quanto ao mérito das candidaturas, entrando na fase burocrática interna do programa.

Após a posse de Trump, em março, o professor recebeu um e-mail da Fullbright Brasil informando que, devido às novas diretrizes do governo americano, estavam aguardando orientações oficiais para dar continuidade ao processo. Dias depois, veio a recusa: “Infelizmente, sua inscrição não recebeu a aprovação final do Programa Fullbright, financiado pelo governo dos EUA.”

Depois de sua experiência, ele concorda com a presidente da Capes: “É preciso pensar literalmente em um plano B, como a Denise disse”.

“Meus alunos não se inscreveram para ir para os Estados Unidos no ano passado, já considerando as novas diretrizes do governo Trump. A maioria foi para o Reino Unido ou Itália,” conta.

Pesquisa sensível

Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Laura - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Laura/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Laura - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Laura/Arquivo Pessoal
professora de história na Universidade de Brasília (UnB) Laura de Oliveira Sangiovanni Arquivo Pessoal

A professora de história na University of Brasília (UnB), Laura de Oliveira Sangiovanni, aguarda o resultado de uma bolsa de pós-doutorado para dar continuidade à pesquisa nas relações Brasil-Estados Unidos. Ela investiga, por exemplo, o financiamento americano de publicações anticomunistas no Brasil durante a Guerra Fria e os supostos testes de armas biológicas na Amazônia.

Esses temas são, como ela define, sensíveis. Mesmo assim, Laura já esteve nos EUA para desenvolver seus estudos, em 2011 e em 2017. Atualmente, acredita que as dificuldades aumentaram e teme não conseguir o visto de viagem.

“Todo mundo que pesquisa nessa área, especialmente quem estuda temas sensíveis, como eu, sabe que a concessão do visto não vai ser simples”, afirma. “A expectativa é ruim não só em relação à negativa do visto, mas também em relação ao constrangimento que posso enfrentar na imigração ou ao acessar arquivos”.

“Se não conseguimos avançar nas pesquisas sobre a presença americana no Brasil e na América Latina, isso representa não só um atraso do desenvolvimento científico, mas também uma fragilização política”, conclui.

Caso sua bolsa seja aprovada, Laura não pretende desistir da ida aos Estados Unidos. Se for reprovada, ela destaca que sua pesquisa não será interrompida, pois acredita que pode utilizar outras fontes, como arquivos no Brasil e na América Latina.

“No ano passado, estive em Belém, onde pesquisei em vários arquivos e encontrei fontes importantes que não teria acessado nos EUA”, ressalta. “Essas barreiras limitam nossas possibilidades de pesquisa, mas não são suficientes para nos interromper e podem até fortalecer narrativas a partir de uma perspectiva periférica.”

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